sábado, 5 de março de 2011

Sempre a lagoa

Na lagoa
O sol parece cacos de espelho nas pequenas ondas, e a água é meio salobra, meio doce.
Pequeninos animais se aninham nos juncos das margens rasas e barrentas.
Mesmo quando a brisa se espreguiça esperando a chuva, os ares carregam seus escritos.
A lagoa se mostra nua para poucos, pouco e raras vezes, sem nunca avisar a hora certa.
As vezes precisamos espiar com calma  o vai-e-vem das cintilações da luz.
Em outras somente a percebemos quando ela desperta em nossos sonhos profundos.
Ou a carregamos com a imagem presa no papel, na tela, no bordado,
As almas do sul da lagoa passeiam por nossos olhos embrulhados em mantas de luz.
Os ventos do sul da lagoa assobiam em nossos ouvidos quando as águas sobem, no fim da tarde,
As árvores sacodem suas folhas e elas caem os sons se misturam,
E se estivermos com os sentidos para o sul, podemos ouvir as almas de lá.
As ondas, as águas, as sombras, as músicas: Cada sinal uma vontade.
Moça geniosa, não é sempre que a lagoa se mostra sem suas mantas e véus.

Está chovendo


Pressionar e apartar nuvens 
até que elas afinem as cinturas.
Nuvens não tem pose,
Não contraem as barrigas,
Não modelam em espartilhos.
Nuvens não são muito mundanas.
Nuvens não sofrem de anorexia.

Está chovendo,
Deduzo isto semi-acordada
Por ouvir o barulho da chuva
Nas telhas de barro de meu teto.
Antes de reatar meu sono
Penso nos homens-de-rua
Embaixo das marquises,
Nos riachos que derramam,
Nas terras que desabem
E em quem está na linha de tiro.
Antes de fazer exame de consciência
Penso que amanhã 
Deverá haver uma denúncia,
No espaço convencionado,
Onde as boas almas fiquem chocadas
Com o  que entendemos horrendo
Que não deveria estar tão
Próximo a nossos olhos.
A chuva não para mais.
Esperemos por eles
e descansemos.
Por eles?
Dizem os homens caridosos:
Devem ter feito algo
Para merecer.
E oram por sua alma,
Que do corpo cuidam eles.
  
E que cada azulejo
Tenha sua própria estampa,
E que cada um de nós
Inventemos
Nosso compromisso.
Com as estampas

Brisa

O dia de sol a pique,
A noite enrolando a lua nos algodões da cerração vindoura.
Algumas flores, as mais atrevidinhas, já começam a se mostrar.
Os ventos enovelados nas poucas árvores cobertas,
O marasmo do ar abafado.
As noites se guardam dos ares e cheiros.
Nós aguardamos o passar das noites e dos dias,
Esperamos o clima que sempre acabou de passar
Ou está por chegar.

Sonhos


Sonhando acordada me banho na lagoa.
Sua água me banha, sua areia se cola em meus pés.
Sonho com o sol ou a chuva,
Sonho de olhos abertos com o que quero viver.

De noite

Pequenos pesadelos rodam meu quarto,
Indignados com a insônia que me assola.
Sinto muito – por eles frustrados em seu trabalho,
E por mim, que a estas horas da madrugada
Ainda não consegui  dormir.

Isabela e todas elas

Isabela na janela
Olha o trilho e mede passos.
Mariana conta passos.
Bibiane, que espanto,
Não repara em passos,
Sabina teme as portas
E  os temporais.
Mas medo mesmo
É o que vem das lembranças
De portas fechadas,
Bocas amordaçadas
Dor e nojo e raiva
E um carinho indesejado.
Choro na boca mordida,
A roupa arrancada,
O alívio do final.
O medo dos passos,
Quietude compulsória,
Vergonha.
Isabelas, Tatianas,
Tantas elas e outras elas.
Condenação e piedade
Do prazer que não sentiram
Nem quiseram ter.